Marketing, inovação, negócios e tecnologia: tendências e insights para 2023

O exercício de futurologia é uma tarefa desafiadora – e, não raro, infrutífera –, ainda mais em campos tão dinâmicos como marketing, inovação, negócios e tecnologia. Por isso, o objetivo deste documento não é delinear o futuro próximo, mas auxiliar na realização de um planejamento que contemple o cenário de transformações nas esferas físicas, digitais e sociais.

Neste material, sintetizamos o conteúdo apresentado no debate MINT 2023: Conheça as principais tendências de marketing, inovação, negócios e tecnologia, realizado no dia 18 de novembro de 2022, durante a programação do festival REC ‘n’ Play, realizado no Bairro do Recife. A atividade contou com as participações do cientista-chefe da TDS.company, Silvio Meira, e das sócias-fundadoras da LeFil, a diretora de operações Rosário de Pompeia e a diretora de negócios Socorro Macedo.  

Nem só físico nem só digital: figital

É comum a afirmação de que estamos em uma sociedade cada vez mais digital, mas ela não é exatamente precisa. “Não estamos saindo do mundo físico para o digital”, analisa Silvio Meira. “Tem uma componente digital da realidade, que aumenta, que estende, que habilita as nossas performances físicas”, continua. “E o que a gente faz no físico e no digital, combinado, é articulado, é orquestrado numa dimensão social da realidade, onde a gente se conecta, se relaciona e interage”.

Esta é a síntese do termo figital. A composição, formada da combinação entre as palavras “físico” e “digital” já dão uma boa noção do conceito, utilizado para definir experiências que integram o mundo real e o virtual. “A ideia do mundo figital é em três dimensões: física, digital e social”, explica Meira, lembrando que plataformas e negócios precisam se ajustar a esse novo contexto.

A adaptação é uma questão de sustentabilidade em ecossistemas digitais, que estão em permanente mudança. Porque, independentemente do grau de digitalização dos processos, o aspecto físico segue fundamental. “Nós somos seres físicos. Você compra no e-commerce em uma transação digital que eventualmente veio de uma relação social, por causa da indicação de outra pessoa”, exemplifica Meira.

“A natureza tá deixando de ser física e está passando a ser figital”, continua cientista-chefe da TDS.company. “E as pessoas têm que entender isso, porque isso vai ser fundamental para elas entenderem o mundo e para as suas possibilidades de empreender e de ter carreiras”. “O mundo é figital, e a maioria das empresas ainda não entendeu. E quase nenhum governo entendeu que o mundo é figital também”, avalia Silvio Meira.

“A presença do Estado como principal espaço de concepção, de elaboração e de execução de políticas públicas precisa tratar um mundo que não é mais físico puramente, mas que também não é digital”. Na opinião do especialista, os governos também têm um papel a cumprir na formação educacional a respeito do que é o figital e de suas possibilidades.

“Há um novo conjunto de fundações que habilitam as performances, novas lógicas, novos princípios, novas competências e habilidades que são demandadas”, explica. “É como se a gente estivesse trocando as leis da natureza”, exemplifica. Meira cita os dados do Censo Escolar, que apontam que mais da 85% das matrículas do Ensino Médio e do Ensino Fundamental têm origem nas escolas da rede pública. “É o principal espaço de formação da vasta maioria dos brasileiros”.

“Para muitos governos, o digital só é importante em tempos de campanha”, comenta Rosário de Pompeia. Ela avalia, no entanto, que a internet deve ser tratada como política pública e não apenas como um espaço para divulgação, como um veículo a mais, como a televisão ou o rádio.

“A partir da internet é possível extrair muita inteligência, inclusive para construir políticas públicas mais adequadas. Ela é uma grande ouvidoria na nossa esfera pública”, observa a diretora de operações da LeFil. “As empresas avançaram mais, enquanto os governos estão muito mais lentos nessa percepção do que, de fato, a internet é”, complementa.

O futuro das mídias sociais

Não é possível decretar a morte das redes sociais, mas Silvio Meira considera que “chegamos ao fim de uma era das plataformas que foram construídas para serem habilitadoras de redes sociais virtuais, em que essas plataformas eram usadas como mídias sociais”. Para o doutor em computação, existe um problema de longa data no modo como essas redes foram tratadas:

“A gente passou a acreditar que as plataformas que habilitavam redes sociais eram mídias”.

Para Meira, o mundo em rede não é baseado em comunicação, mas, sim, baseado em conexões, relacionamentos e interações. “E quase ninguém entendeu isso. Em particular, os anunciantes que tinham dinheiro para se promover nas redes não entenderam isso”, continua. “E que foi que as redes fizeram?”, indaga. “Elas enviesaram seus algoritmos para serem mídias sociais”.

A rede deixou de ser social, passou a ser escassa, editada por algoritmo, avalia o cientista. Facebook, Twitter e Instagram passaram a adotar um algoritmo que torna escassa a abundância de conteúdo ao estimular a visibilidade de conteúdo pago. “Nesse momento, a gente devia ter regulado, como se fosse uma televisão, como se fosse uma concessão. E a gente não fez isso. Essa coisa começou a se agravar, os mecanimos de recomendação das plataformas começaram a criar anomalias”, reflete.

“Por que ninguém fez nada sobre isso? Chegou num ponto em que Twitter não é uma rede que tem possibilidade de dar lucro no seu estágio atual, os investidores não verão retorno do seu investimento”, diz Silvio Meira, afirmando ainda ser extremamente complexo reverter este quadro. “Como um todo estamos vendo o fim de uma era de redes sociais habilitadas por plataformas que deviam ser de mídias sociais”. E esse cenário conta ainda uma segmentação cada vez maior das mídias, com a formação de nichos.

Rosário de Pompéia concorda, reforçando que, de todo modo, não é o caso de alarmismo nem de deixar de investir em redes sociais. A necessária regulação de monopólios como o Google, o Meta e afins será, na avaliação da especialista, já está se desenhando, mas será “um processo extremamente lento”. Ela também observa que, a despeito da tendência de formação de nichos e de eventuais perdas de relevância, não é o caso de deixar de investir na área.

“Isso não quer dizer que, no ano que vem, quem faz markentig vai deixar de investir no Instagram, por exemplo. Precisamos, ainda, porque pessoas estão lá”. A cofundadora da LeFil adiciona: “O grande desafio para quem faz marketing hoje é entender bem o público e segmentar”.

“O que eu acredito é que continuaremos tendo redes, não sei se do jeito que vemos hoje”, complementa Socorro Macedo. “Mas acredito que, pela primeira vez, vamos olhar, de fato, para conexões e pessoas” continua. A diretora de negócios da LeFil diz ser comum empresas marcarem presença nas redes, anunciarem, mas não enxergarem o esforço convertido em vendas. O que ocorre, na sua avaliação, é justamente a falta de um entendimento sobre pessoas ou a respeito do seu comportamento, indo além de segmentações simples relacionadas a idade, gênero ou outros aspectos.

Gameficação não é necessariamente transformar algo em jogo

“A principal coisa que a gente não percebeu a respeito é que não se trata exatamente de um processo de gameficação de qualquer coisa, mas de um processo de aquisição, de retenção e de monetização de pessoas”, contextualiza Silvio Meira. Ele cita o exemplo de veículos jornalísticos que, a partir de relacionamentos, de interações e de construção de significados comuns com os usuários alcançam a realização de uma transação, seja ela uma doação financeira ou a aquisição de uma assinatura.

Para o especialista, a maior dificuldade nesse processo não é atrair pessoas, nem mesmo reter, embora este segundo aspecto já exija mais esforço. O grande desafio é fazer o público se engajar ao ponto de gastar dinheiro. Nesse aspecto, é crucial o uso de dados, a gestão do ciclo de vida da informação de cada pessoa no negócio. “Não é estatística, é o que cada um está fazendo”, declara Meira. “O problema da gameficação não é transformar tudo num jogo, é como vamos tratar as pessoas dentro do ambiente, de tal maneira que exista uma oferta para cada uma”, observa. “A grande diferença do digital para o analógico é que o tratamento não é estatístico. Ele é em tempo real, para cada pessoa”, acrescenta.

Negócios como ecossistemas

Um outro ponto que merece atenção em negócios de qualquer natureza é a percepção do seu funcionamento integrado em redes. “Se olharmos de forma contemporânea, um negócio não é mais uma coisa singular que funciona sozinha. Não existem mais negócios que funcionam sozinhos”, afirma Silvio Meira, acrescentando que são poucos os casos de empreendimentos que fazem toda a sua cadeia de valor funcionar apenas com as suas pessoas. “Negócios são redes, são ecossistemas inteiros”.

“Não é um produto pronto que vamos colocar no mercado, isso acabou”, sentencia Meira. E o marketing tem uma função crucial nesse processo, devendo deixar de ser encarado simplesmente como um departamento, mas como uma competência que perpassa várias áreas. “O marketing é quase todo o resto do negócio: processos articulados em rede, de criação, de entrega e de sustentação de valor”. Rosário complementa: “Marketing tem a ver com experiência, tem a ver com produto, envolve conhecer o cliente, enfim, com todo o negócio”.

Meira também salienta a necessidade de criação de redes próprias para os negócios, citando a máxima de que “a hora de construir uma rede é muito tempo antes de você precisar dela”. Para o cientista, as empresas estão dentro de redes como Facebook, Instagram, Twitter e afins justamente tentando atrair os usuários para suas próprias comunidades. Citando uma rede de varejo, Meira lembra que, ao anunciar produtos em plataformas digitais de terceiros, empresas do tipo acabam transferindo receita para empresas como Google e Meta.

O especialista reforça a necessidade de se “descobrir como criar um processo para ter as competências, as habilidades e os recursos para formar as suas próprias redes estruturais, suas próprias conexões, relacionamentos e interações”.

O futuro não é dos especialistas nem dos generalistas

Para o cientista-chefe da TDS.company, Silvio Meira, o profissional do futuro deve ter não apenas uma base ampla de conhecimento que proporcione visão sistêmica, mas também capacidade de agregar outros profissionais na busca por soluções. É o que ele chama de GENespecialista.

“Ninguém vai saber tudo. Ainda mais porque você só vai conseguir fazer muito bem uma pequena porcentagem do que você sabe”, afirma. “E quando você quer resolver um problema em qualquer empresa, você monta um time”, continua. Refletindo a complexidade dos problemas atuais em negócios, que podem ter reações das mais diversas, incluindo do mercado de valores, das redes sociais e das pessoas, Meira considera que apenas times multidisciplinares são capazes de ter as respostas adequadas.

“Talvez você deva saber menos coisas e fazer muito bem o que você sabe, e ter que ter ouvido para outras pessoas que sabem fazer muito bem outras coisas que são parte da solução daquele problema”, pontua.

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